quarta-feira, 25 de março de 2009

II

Manhã

Escritório, pausa para café.
Saiu do gabinete, no novo tailler, com o corpo ajustado ao forro macio a realçar a silhueta fotográfica de Man Ray. O cabelo castanho fluía-lhe pelos ombros, o seu olhar, doce, transportava em si toda a melancolia do universo, a boca era um poço de sedução, lábios grossos e rosáceos a antever o marfim dos dentes cuidadosamente alinhados. Pescoço esguio, seios que se adivinhavam perfeitos, cintura espartana e as pernas perfeitas a terminarem num rabo idílico.
Reparou nos olhares masculinos a salivarem como cães e nos gordos olhares femininos a invejarem-lhe as imperfeições.
Esta exposição era-lhe agradável, os olhares a medirem centímetro a centímetro do seu corpo, a deterem-se nos seios, no rabo, nas pernas, a fantasiarem sordidezes de nomes feios, a torná-lo objecto de sonhos impossíveis, a fugirem de quotidianos mesquinhos regulares e previsíveis.


As relações com os colegas de escritório resumia-se a conversas hipócritas repletas de todas as intenções.
Entre eles, o desafio era fode-la, apaparicavam-na, convidavam-na para sair, jantar, ofereciam-lhe presentes, a socapa uns dos outros, davam o que tinham e o que não tinham. Ciente deste poder usava-os, dava-lhes esperança, interpretava o papel de mulher carente, sozinha, com filhos a necessitar de protecção contra todos os depravados do mundo de pensamento sórdido, e eles salivavam mais e mais...
Para elas, a nova ocupante do gabinete tinha de ser rapidamente eliminada. Não aceitavam terem sido relegadas, simplesmente terem deixado de existir.

Tirou o café, pegou no jornal diário, abriu-o nas páginas centrais e encontrou o seu anúncio, intacto, a espera de ser visto por milhares de olhos curiosos demandando quem seria o anunciante.
Tinha recebido chamadas de todos os detectives da cidade mas sentia que nenhum se perfilava capaz de empreender o objecto do anúncio.

1 comentário:

rmf disse...

Temos capítulo III!!!

Aquele abraço.